Entrevista - Aske: "Esta blasfêmia e o culto são reais, eu realmente vivo o que escrevo"

Por: Renato Sanson

Músico entrevistado: Filipe Salvini (baixo/vocal)

“Vol. II” apresenta um Black Metal mais old school, mas não calcado na velocidade. Quais influências tiveram?

Esta é uma observação muito gratificante pois valida nossa intenção em compor este disco “Vol. II”. Compusemos as músicas como se fossem únicas, para cada uma funcionar individualmente como se fosse uma compilação, uma coletânea, e isso não é muito fácil de se fazer pois precisamos “limpar” as nossas cabeças para evitar influências da música anterior e assim, no final, podermos mostrar que dominamos um leque musical amplo e que podemos transitar por diversas áreas da música. Cada composição do disco traz influências distintas entre si então seria difícil limitar uma influência para o disco todo, seja sobre os temas das letras ou sobre a sonoridade que buscamos em cada uma.

A ausência de velocidade em alguns momentos foi importante para que pudéssemos dar espaço para criação de melodias e arranjos únicos para cada música e manter o que soa como old school. Passamos 6 anos compondo este disco então tivemos tempo de deixá-lo exatamente como gostaríamos e também mostrar o que conseguimos criar musicalmente.

Melodias também se fazem presentes. Algo que chama a atenção logo nas primeiras ouvidas. Como foi construir as composições?

Há dois fatores responsáveis por estas composições serem como são. Por um lado, tivemos o Lucas Duarte, nosso guitarrista, como o grande responsável pela criação destes arranjos. Ele não é um cara do Black Metal, mas um músico universal que já tocou em bandas de hardcore, emo core, tocou contrabaixo em grupos de reggae, toca viola caipira e também bateria em bandas covers e já compôs para todos estes e outros estilos.

Por outro lado, quando você passa alguns anos focado em se aperfeiçoar em algo, a maturidade é uma consequência deste processo e você prioriza criar parcerias mais inteligentes do que emocionadas. Foi o que eu tinha em mente quando eu criei esta banda: focar em composições. Quando idealizo um tema, escrevo uma letra para o Aske ou quero desenvolver uma ideia, é muito importante estar com parceiros que vão entender a intenção de cada composição que quero criar e que possuem um background vasto de estilos diferentes para dar vida às minhas ideias.

Em termos líricos temos a blasfêmia necessária do estilo, porém, com um conhecimento vasto sobre religiões. Principalmente as afros. Como funciona esta metodologia?

Sou um amante incondicional dos livros e da música então não consigo me prender a um único tema ou a um único estilo de escrita. Pensando neste “Vol. II”, escrevi a faixa “Sinner” refletindo sobre uma circunstância que eu estava passando naquele momento; a faixa “The Origins of Satan” me inspirei no livro de mesmo título da autora Elaine Pagels; a “Represente Satanás” escrevi quando estava sob forte influência do cordel nordestino e de compositores como João do Vale. É importante mencionarmos isso antes de falarmos sobre as minhas influências religiosas que são nitidamente notáveis pois o Aske não é apenas sobre isso ou aquilo, mas sim um espaço onde eu falo sobre qualquer coisa que me inspira, seja um livro que me prendeu a atenção, seja algo que aconteceu com um membro da banda e me envolveu emocionalmente para ajudar a resolver, ou algo extremamente inspirador que eu vivo na minha espiritualidade. Então é muito natural que a medida em que lançarmos músicas novas, algumas terão a presença dos cultos, principalmente os de origem africana. Como adepto da Quimbanda (culto de Exu e Pombagira) e também adepto dos cultos puramente africanos (sem a influência do sincretismo cristão escravista e colonizador), esta realidade espiritual e paradigmas culturais fazem parte da minha rotina. Não só estudo estas religiões como eu as pratico e vivo conforme sua filosofia. A segunda faixa do disco, “No Soul to Sell”, por exemplo, escrevi refletindo sobre um diálogo que tive com um espírito durante o culto. Ele me falava sobre como devemos amarrar bem nossas botas antes de irmos para uma guerra quando precisamos travar nossas próprias batalhas.

Na contracapa do disco eu inseri o ponto riscado de Exu Tiriri das Encruzilhadas pois este é o Exu chefe de uma corrente que fiz parte durante o processo de composição do álbum. Quando o disco estava pronto eu tive a oportunidade de migrar para a corrente de Quimbanda que estou agora então quis fazer uma homenagem a este espírito, inserindo seu ponto riscado, pois ele me indicou a corrente que estou hoje. No clipe da “Sinner” também aparecem alguns pontos riscados de Exus e Pombagiras presentes na corrente que estou atualmente, pois foi um pedido deles de aparecerem no meu clipe.

Como você bem observou, nas músicas do Aske há a presença da blasfêmia típica do estilo musical, porém vejo uma diferença em relação a outras bandas de black metal que temos hoje: esta blasfêmia e o culto são reais, eu realmente vivo o que escrevo, não são apenas letras de black metal cantando blasfêmia só porque é uma característica do estilo: eu as vivo.

As pessoas seguem caóticas e mais autodestrutivas do que nunca. Qual a sua visão para o mundo daqui a dez anos? Pois, por incrível que pareça, mesmo estando tão a frente em termos de tecnologia e ciência, a religião segue segando e criando seres ignorantes.

Acredito que a ignorância não é algo presente apenas no nosso tempo ou na nossa cultura, mas sim uma constante na humanidade e sempre será assim. Não penso que nosso tempo seja melhor ou pior que um tempo mais antigo ou que o tempo futuro será melhor ou pior que o nosso. Os orientais possuem uma explicação muito pertinente para exemplificar meu ponto de vista. Há um termo sânscrito, Vaga Marga, que poderíamos traduzir como “caminho da mão esquerda”. Não desejo me aprofundar sobre isso aqui pois perderíamos o foco da entrevista já que este é realmente um tema vasto e fascinante, mas ele fala sobre como a maioria das pessoas possuem uma visão limitada para a essência e vivem apenas de acordo com seus sentidos mundanos e egoiscos. Os africanos da costa ocidental que hoje é o Benin possuem uma explicação muito interessante sobre o que para eles é o véu do esquecimento.

Tanto o sânscrito do oriente como os africanos ocidentais da região do Benin há milênios refletem sobre este ponto que você levantou e achei sua pergunta muito inteligente, mas se formos enveredar para esse lado certamente aborreceremos o leitor, pois não pararei mais de escrever (risos).

O debut conta com duas musicas em português e posso dizer que ambas se destacam. Caindo muito bem na proposta da banda. A ideia é inserir mais composições em língua pátria?

Sim. Cada idioma possui direções e ferramentas próprias que podemos explorar. Me limitar unicamente em um idioma seria restringir minhas inspirações e empobrecer nossa música.

No “Vol. II” temos duas músicas que escrevi em nosso idioma. "Represente Satanás" usei uma métrica da literatura de cordel nordestino, 6 versos por estrofe; a predominância das vogais abertas A e E e das consoantes fricativas S e Z na letra da música é porque eu queria explorar a prosódia do nosso idioma a partir de como um gringo nos ouve. E isso começa no título da música onde temos uma palavra que utilizo somente a vogal E e outra palavra com a vogal A e deixo predominar a sonoridade fricativa do S e do Z.

Em "A Bruxa e o Cardeal" eu estou influenciado pela feitiçaria italiana composta pelas tradições orais e isso me levou a um vocabulário mais rural e arcaico. Você consegue imaginar eu tentando escrever essas duas músicas em inglês seguindo os critérios que mencionei? Então não há uma regra se o Aske fará músicas em inglês ou em português, desde que a inspiração seja respeitada e esteja presente na música de forma bem elaborada. A terceira música do disco se chama “Music Knows no Allegiance” e é sobre isso, a música não conhece limites ou fronteiras, ela simplesmente existe.

Finalizando, quais os planos futuros do Aske para 2024 e o por que o Debut se chama “Vol. II”?

A partir deste segundo semestre focaremos em fazer algumas apresentações para voltar a mostrar a banda ao vivo, pois tivemos um hiato sem fazer show e sem uma formação para o Aske, sendo apenas um duo, mas foi temporário e necessário para que pudéssemos esquecer-nos de tudo e focar apenas em compor e criar este disco. Agora podemos voltar com uma formação para tocar estas músicas.

Excelente pergunta! Nós tínhamos algumas opções de títulos e capas, porém nenhuma representava a obra como um todo. O espectro temático deste disco é extremamente amplo e ele realmente soa como uma coletânea para mim. Então não ter nenhuma arte de capa e apenas informar que este é o nosso segundo disco faz com que toda a atenção seja direcionada para as músicas em si. Assim não fomos negligentes ou injustos com nenhuma das faixas pois todas elas são dignas de nossa atenção.

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