
- Olá Artur. Obrigado pelo seu tempo em meio a correria das atividades com a ORGANOCLORADOS. Logo de cara, tomei um susto com o lançamento do álbum “Dreams and Falls”, em total imersão ao Rock Clássico e Pós-Punk. O que deu na cabeça de vocês para gravarem algo com esse direcionamento?
Tranquilo, vamos lá! Espero que tenha sido um susto positivo (risos).
Já conhecemos bem a referência ao pós-punk que está em nossa origem, mas de certa forma é uma novidade para nós essa ligação que tem sido apontada com o Rock Clássico. Estamos curtindo demais essa nova perspectiva.
Acho que esse álbum resulta da evolução da banda ao longo de todos esses anos de composições, shows, ensaios, gravações, estudos, influências e referências processadas, além de um amadurecimento que mantém a mente aberta dos quatro integrantes, o que permite experimentalismos. Não foi algo assim tão premeditado. Foi um processo natural, boa parte baseado em instinto e inspiração, coerente com a construção de nossa identidade musical com e nossa frase de apresentação: “Rock híbrido de múltiplas vibrações”. Isso somado ao fato de colocarmos em prática o que Raul Seixas disse e cantou: “Faz o que tu queres... Todo homem tem o direito de cantar... escrever... o que ele quiser!”. Então sonhamos juntos e mergulhamos no desejo e aceitamos o desafio de materializar a ideia.
Temos de entender que esse álbum vem na sequência de tudo que fizemos, experimentamos e aprendemos no processo de gravação e produção dos álbuns anteriores, mais especialmente do Saudade da Razão (2022). E hoje está bem claro para mim que a decisão de produzir um álbum em inglês também influenciou algumas escolhas durante as etapas de produção, acentuando certas características sonoras e nos despertando para algumas experiências.
- Como funciona o processo de composição da banda? Acredito que seja algo mais orgânico e intimista, com todos os músicos fazendo jams em estúdio, estou certo?
Nem sei se realmente se pode descrever como um processo de composição tão formal ou metódico porque tem muita aleatoriedade envolvida, não seguimos receitas pré-determinadas. Ao mesmo tempo, tentamos evitar ou reinventar estruturas e fórmulas, recombinar elementos, num misto de alquimia e química moderna. Você tem razão, trabalhamos de forma mais orgânica e muita coisa sai de momentos intimistas. Todo tipo de coisa pode ser uma centelha que inicia um desenvolvimento e essa maneira permite que a inspiração tome forma e seja trabalhada com o acréscimo de elementos da composição. Às vezes tem coisa que dá em nada e é abandonada pelo caminho porque a gente não gosta ou simplesmente por alguma cisma (risos).
Exemplifico... Uma poesia pode chamar uma melodia e passar por harmonização. Tem música que já sai pronta do violão ou da guitarra em poucos minutos, inclusive com a letra, vai para o ensaio com os arranjos definidos para cada instrumento, como em “For You, Girl”, “Just For Today” e “Horses on the Streets”. Uma linha de baixo criada por André ou por mim, como “Manchas de Sangue”, “Insecurity”, “Poesia Mortal”, “Dias e Rosas/Days and Roses”, “Éramos Quatro/Four Chimes”, pode ser tocada repetidamente nos aquecimentos de ensaios até que em um belo dia chegam os outros instrumentais, depois as letras e aí viram uma composição. Isso também pode acontecer com riffs de guitarra ou melodias no teclado. E claro, tem as jam sessions que rolam antes dos ensaios e que são bem divertidas e criativas, em que aparece muita coisa e são as oportunidades em que alguém apresenta alguma novidade ou desperta alguma coisa nos outros. E tem aquelas que levam anos para ficarem prontas, como “Bem-aventuranças” (a letra ficou um tempão incompleta), “Dreams of Love” (na busca de um arranjo percussivo satisfatório) e “Insecurity” (esperando uma estrutura convincente). Na hora que resolvemos entrar em estúdio gravar, aí sim vem uma parte mais racional e metódica, em que aplicamos um modesto conhecimento de teoria musical no refinamento das composições.
Gostaria de assinalar que jamais descuidamos da qualidade das letras e levamos a sério o trabalho de revisão e auto crítica, com carinho e cuidado especial, pois elas são fundamentais para nosso estilo de expressão. A qualidade do conteúdo que está nas palavras e a forma de transmiti-lo através da melodia ajudam a definir de forma significativa a identidade musical da Organoclorados. Isso acontece desde as primeiras músicas. Eu mesmo admito que sou muito exigente e em muitos aspectos até perfeccionista nessa questão.
- O disco traz homogeneidade em termos de qualidade e maturidade musical. Como os fãs da banda têm reagido ao material?
Sabemos que esse disco é também uma aposta arriscada, ainda mais por ser de uma banda de rock independente, originária do interior da Bahia, região Nordeste do Brasil. Então, com certeza a expectativa era acompanhada de incertezas novas. E claro, existe a barreira natural para quem não domina o inglês, mas é relativamente fácil de transpor com um tradutor digital. Independente disso, nossa identidade musical costuma provocar estranhamento e curiosidade. Como nossa capacidade de investimento em estratégias de marketing é limitada, mesmo depois da boa aceitação dos singles lançados previamente ao álbum, ainda tínhamos dúvidas, embora tenhamos convicção quanto à qualidade do álbum.
Nesse momento, poucos meses após o lançamento que ocorreu em março/2025, estamos positivamente surpresos com os comentários, matérias positivas publicadas (algumas em blogs dos Estados Unidos e Inglaterra), músicas em várias playlists (algumas delas internacionais), rádios e webradios do Brasil e exterior, além das entrevistas, creio que o álbum tem sido bem recebido. E ainda esperamos colher os resultados impressões de estratégias pós-lançamento que promovem as músicas do álbum, tais como videoclipes e lyric videos, e que podem nos mostrar mais sinais da receptividade do público e da imprensa.
Um coisa a se considerar é que “Dreams and Falls” tem funcionado como uma porta de percepção muito interessante e provocadora o público que vier a nos conhecer através dele. De outro lado, a banda também está diante de uma porta pela qual temos a chance de alcançar um público novo e desconhecido, com reações e leituras inéditas das nossas músicas.
- A banda pretende lançar algo no formato físico no futuro na Europa, já que fazem parte de uma grande gravadora na atualidade? Queria muito poder ouvir um álbum novo de vocês nestes moldes novamente...
Que massa essa expectativa, muito estimulante! Em verdade, o álbum em compact disc (CD) acabou de ficar pronto e as cópias já estão disponíveis aqui no Brasil, graças a uma parceria com a MS Metal Agency / Alternative Records, o que abre a possibilidade de chegar a corações e mentes que o meio digital não alcança. Além disso, esse formato apresenta um nível de qualidade sonora superior, ainda mais porque trabalhamos junto ao estúdio por uma masterização especialmente configurada para o CD e diferente daquela aplicada à distribuição digital. Quanto a esse formato físico chegar à Europa, esperamos que o apoio da equipe e da estrutura da MS Metal Agency / Alternative Records caminhe nesse sentido. Torcemos para que isso aconteça!
- “Take me Down” é um Single que me identifiquei bastante! Você pode nos contar como foi o seu processo de composição? Vocês lançaram o videoclipe desta música também e o resultado ficou simplesmente incrível. O que você pode nos falar sobre esse trabalho?
Faz bastante tempo que eu compus essa canção. Primeiro veio a letra que escrevi em inglês. Depois, a melodia foi chegando na minha cabeça enquanto praticava na guitarra e surgiram as frases principais e daí passei a harmonizar com os acordes até tudo se encaixar. Foi relativamente rápido, questão de semanas. Levei ao ensaio, a banda assimilou e tocamos algumas vezes para desenvolver os arranjos instrumentais e ajustar a vocalização. A parte básica, estrutural ficou pronta, mas ficou guardada e nunca sequer foi apresentada em público. Quando começamos a considerar com mais força a ideia do álbum em inglês, Joir (baterista) foi um dos primeiros que logo se lembrou e colocou “Take Me Down” como uma candidata a fazer parte do projeto.
Naquele período difícil da pandemia, a Organoclorados conseguiu manter um ritmo de produção, gravando e lançando uma série de singles. Essa música foi gravada naquela época e veio a ser lançada no primeiro trimestre de 2023, assumindo um importante papel de abre alas na preparação do caminho para o álbum Dreams and Falls. Não foi a primeira vez que gravamos em outra língua, pois já havia na discografia uma música em inglês (“For You, Girl”) e uma em espanhol (“Cruce Inusitado”).
Em “Take Me Down”, ampliamos a sonoridade, explorando novas nuances musicais e timbres de guitarras, violão clássico e piano. Ela tem uma atmosfera melancólica, com um sutil toque desafiador que cresce de maneira envolvente até atingir um clímax de despedida carregada de dor e alívio, com acenos ao progressivo e ao hard rock. A jornada instrumental está a serviço dos versos que estruturam a letra que reflete a veia poética característica do trabalho da banda.
Que bom saber que gostou do videoclipe. O objetivo claro dessa produção audiovisual é cativar a atenção do espectador e criar conexão com a banda. Ele foi produzido pela própria banda, de maneira simples, com recursos modestos e contamos com a ajuda de alguns amigos na operação de celulares e outros equipamentos. Apesar de todo esforço envolvido, o videoclipe é um tipo de realização em que gostamos muito de trabalhar e nosso canal no YouTube tem dezenas deles. O clipe de “Take Me Down” é um capítulo especial que vem na sequência do lançamento do álbum e levou um tempo para que o roteiro fosse elaborado, escolher locações e filmar as cenas. Como a faixa tem uma ambiência melancólica e emocionalmente intensa, optamos por uma estética performática e introspectiva. Além das cenas da banda, foram inseridas imagens disponíveis e garimpadas na Internet para evocar as noções de queda, rendição e renascimento — temas recorrentes na poética da Organoclorados. Acho que os músicos surpreendem positivamente em suas atuações cênicas, pois incorporaram o sentido da canção em suas performances.
- Como está a banda no âmbito dos shows? A agenda de vocês costuma ser cheia? A aceitação está sendo positiva por parte da imprensa e fãs com relação ao trabalho ao vivo?
A dinâmica de lançamento de álbuns não costuma interferir em nosso ritmo de shows e a vontade de tocar no maior número possível de lugares é constante, independente de lançar material novo. Temos mantido a forma com uma boa regularidade de ensaios e estamos atentos às oportunidades e convites que aparecem, como por exemplo os shows que já realizamos em Recife e São Paulo. Embora na realidade do segmento em que nos inserimos as coisas não se viabilizem facilmente e haja uma carência de espaços para o rock nas cidades da região, nossa agenda de shows está quase lotada até o final do ano em Salvador e Alagoinhas.
Músicas do álbum foram incluídas no repertório e alguns shows especiais vêm acontecendo desde o ano passado, em função dos singles que foram lançados previamente. Pelo que vimos em termos de reações do público e o que ouvimos das pessoas que nos procuram para conversar, assim como as interações nas mídias sociais, a aceitação tem sido estimulante. Os ouvintes se sentem mais familiarizados com as músicas que são versões de outras lançadas anteriormente em português, o que facilita bastante uma conexão. Um ótimo sinal é que já começam a aparecer comentários sobre “Horses on the Streets” e “Insecurity”, faixas que são completamente novas.
Na imprensa, há resenhas críticas positivas e bem interessantes, publicadas em blogs dedicados à música independente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Além de ser gratificante para nós, elas ajudam a respaldar o trabalho lá fora. Nisso tudo sempre destaco que a experiência mais incrível é conhecer as diversas compreensões e pontos de vista que nem imaginávamos estar nas músicas ou que elas poderiam despertar quando as criamos, gravamos e resolvemos lançar.
- “Dreams and Falls” tem uma arte de capa muito legal. Quem a produziu e o que vocês querem dizer com ela?
A arte da capa não teve uma elaboração complexa nem um profissional especializado, foi tudo por conta própria mesmo. De início, forçados pela necessidade de reduzir o custo de produção, ou seja, grana curta (risos). Porém, desde a concepção do álbum tínhamos em mente que a arte da capa deveria representar o conceito da obra completa, devidamente alinhada ao conteúdo e ao estilo da banda. Não precisava ser algo extraordinário, mas deveria prezar pelo bom gosto estético. Uma curiosidade é que durante quase um ano o álbum teve um título provisório e uma capa definida bem diferentes. Mas mesmo com tudo aprovado pela banda havia a sensação de que não era o ideal e continuamos a conversar e pensar sobre o assunto até que encontrei essa fotografia do Panteón, um monumento localizado no Cemitério de Montjuïc, Barcelona, construído sob encomenda de August Urrutia i Roldán, que destaca a escultura de um anjo desconsolado, creditada a Josep Campeny i Santamaria. Os integrantes da banda aprovaram a proposta e imediato, fizeram apenas algumas sugestões e após uma edição simples, sem muita sofisticação nem exageros, a capa estava pronta e particularmente acho que ficou muito linda e diferenciada. A imagem é tão poderosa que nos induziu a refletir sobre o conjunto das músicas, influenciando inclusive no título do álbum.
Com essa apresentação gráfica, buscamos transmitir uma mensagem relativamente clara e direta, com uma pequena dose de mistério. A capa retrata um momento de queda e abatimento, que pode ser físico, emocional ou os dois ao mesmo tempo, e também parece ser um momento de reflexão. No detalhe, as asas do anjo estão íntegras, indicando que ele pode se reerguer e voar novamente, simbolizando a resiliência. Preferi não pesquisar sobre a intenção original ou a mensagem do autor da escultura, para experimentar uma viagem interpretativa sem a influência de uma análise prévia. Cheguei à conclusão que o público pode passar por uma experiência semelhante, ao contemplar a arte da capa do álbum, pois o resultado convida a uma reflexão sobre seus próprios sonhos, colapsos e quem sabe ao reconhecimento de sua capacidade de recuperação.
- Quando a banda está em estúdio, vocês costumam trabalhar com um produtor externo ou preferem se auto produzir?
Normalmente nosso histórico é de auto gestão e produção por conta própria, tentando viabilizar os recursos e nos adaptar às possibilidades, muitas vezes compensando as limitações com criatividade. O espírito “faça você mesmo” está sempre presente. Sendo assim, temos trabalhado em estúdio sem produtor externo e todos os nossos álbuns, EP e singles até aqui foram produzidos dessa forma. Acho que não é uma questão de preferência, acho mais que é consequência de nossa história de vida e do contexto no qual estamos inseridos. E talvez também por não ter aparecido a pessoa certa, apesar de haver algumas conversas preliminares para experimentarmos a produção externa no futuro.
- Quais os planos para o ano de 2025 com a ORGANOCLORADOS? Sinceramente torço para mais shows e um novo álbum completo...
Nessa reta final de 2025, temos ainda o lançamento de um single que não está ligado ao álbum Dreams and Falls. Trata-se de um novo projeto que vem aí, com versões de músicas para o espanhol, em atenção a todo o acolhimento que a banda tem recebido do público de países da América Latina e da Espanha nos últimos anos. Provavelmente vai culminar num EP cujo título provisório não posso revelar.
Vamos intensificar as ações promoção do Dreams and Falls em CD e de divulgação dos videoclipes já lançados. Em se falando de shows, em novembro estaremos do Tour Rock Bahia Festival, um grande evento em Salvador de bandas do rock autoral baiano, no 30 Segundos Bar, certamente tocando músicas do novo álbum. Da mesma forma, vamos realizar um evento especial de encerramento do ano para celebrar os 40 anos da Organoclorados, em nossa cidade sede, Alagoinhas, Bahia.
Um novo álbum completo está gravado, mixado, editado, masterizado e na fase final de registros das músicas. Posso adiantar que será em português, mas o título provisório também não posso revelar e ainda não definimos um plano de lançamento porque no momento priorizamos o Dreams and Falls.
- Novamente parabéns pelo trabalho ao lado do ORGANOCLORADOS... Agora é o momento das considerações finais de vocês...
Obrigado! Em nome da Organoclorados, também quero agradecer pelo espaço que vocês disponibilizaram através dessa entrevista, uma chance do público conhecer um pouco mais sobre nossa atividade musical, principalmente nesse momento de lançamento de um álbum de rock autoral em inglês que é uma marca importantíssima em nossa história.
Atuar no segmento rock autoral independente/alternativo tem muitos altos e baixos, sonhos e quedas. Por outro lado, há muita satisfação da nossa parte porque fazemos música com amor, paixão e coração aberto. Nós da Organoclorados buscamos aprender todos os dias e queremos entregar aos fãs e seguidores um conteúdo que seja autêntico e tenha vlor cultural e artístico.
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